sábado, 24 de janeiro de 2015

Pesquisando a História Econômica (Por Wilson do Nascimento Barbosa - USP)


Texto da Aula Magna - Prof. Wilson do Nascimento Barbosa 13/03/2013
Pesquisando a História Econômica


É um prazer estar aqui com vocês, uma vez mais, depois de tantos anos, nessa palestra inaugural do Curso Anual de História Econômica. Agora está mais formal, vocês até espalharam um cartaz por aí falando em “aula magna”... Antes fosse, mas como vocês sabem, não “esse”...
Chamei este bate-papo de “Pesquisando a História Econômica”. Indo por partes, como o esquartejador da piada, façamos uma definição de “História Econômica”. Talvez seja a parte da História-disciplina que estuda a transformação da economia ao longo do tempo. Talvez seja a parte da Economia Política que estuda o caráter histórico das formações, das ideias e dos processos econômicos. Talvez ainda seja ambas as coisas. Para alguns será mais do que isso.
O fato é que a História Econômica é uma área de estudo interessante e que fascina àqueles que a ela se dedicam. Como dizia Werner Sombart, não devemos dar muita importância às definições, porque elas só servem – na partida – para se entrar no assunto. E na chegada, certamente, elas já não serão as mesmas.

Não temos muitos doutorados de História Econômica no Brasil. Pós-graduações com Mestrado, temos mais um pouco. Hoje vive-se uma resistência a uma ideia de “Ciência Histórica”, enquanto que há 50 anos atrás esta ideia estava em voga. No entanto, a hostilidade ao caráter científico da História, ou a crença de que se possa aprender algo como lógica e como conhecimento através da História, continuam entrelaçadas. Para uns, a História é perda de tempo e intoxicação ideológica; para outros, acesso à compreensão da sociedade e das pessoas, uma fonte de sabedoria.

Dirijo-me apenas ao segundo público. Aqueles que entendem a importância do saber histórico, se interessam também por esta especialidade que é a História Econômica. Nesta nossa disciplina, nós, aqueles que a ela nos dedicamos, aprendemos e desenvolvemos uma habilidade para vistoriar a vida pregressa, para com ela elaborarmos hipóteses interessantes sobre o que se passou e, portanto, sobre o que pode a vir se passar no plano econômico da sociedade.

A ESTRUTURA ATUAL DA DISCIPLINA
A disciplina “História Econômica”, do ponto de vista formal, compreende a combinação do conhecimento de (a) um método histórico e (b) um método econômico que sejam coerentes. Não vou detalhar isso aqui. Vocês já conhecem tal problematização. O historiador econômico, ou historiador economista, ou economista historiador, tanto faz o nome, trabalha combinando pertinências técnicas de um historiador com aquelas de um economista. A História Econômica é assim, como a Geografia, uma ciência de síntese. Ela mistura e busca um equilíbrio adequado de saberes de diferentes disciplinas, plasmando umas formas próprias de abordagem, elaboração de hipóteses e solução de seus problemas. Sem esta plasmação de diferentes métodos, a História Econômica seria inviável.

Quando um aluno vindo da graduação, procura pela História Econômica como pós-graduação, em geral ele traz o embrião de um projeto que deseja pesquisar. Tal embrião é, portanto, “convidado” a se adaptar a uma das diferentes linhas, que faz parte do prospecto ou folhetim da Pós-graduação e da sua efetiva lista de matrículas. Mas esta estrutura aparente não é o que há de importante na História Econômica. Ela é apenas a base de partida. O que é importante é que o jovem aprendiz de historiador descubra quão decisivos os métodos a aprender são; como eles podem ser combinados; e como eles irão decidir o futuro de sua pesquisa atual ou até de seu futuro profissional. “Método”, aquela palavrinha grega que significa “caminho para se chegar a um fim”, é o elemento que precisa ser escolhido, aprendido e aplicado, para habilitar profissionalmente.

O iniciante de História Econômica necessita ser tão profundo conhecedor dos métodos históricos como qualquer outro historiador. Na condição de iniciante, ele deve ao menos buscar dominar a metodologia histórica que escolheu e que corresponde à sua área de pesquisa. Mas não basta isso: ele deve fazer o mesmo com a metodologia econômica que escolheu para viabilizar seu trabalho de pesquisa. Em virtude da inexistência de cursos de graduação em História Econômica, o que tornaria muito difícil a colocação do formando no mercado de trabalho, a formação de pós-graduação em História Econômica tem que ser visualizada como uma especialização de um historiador ou de um economista. Isso ainda se torna mais complicado porque no Brasil, um economista não aceita a igualdade de seu diploma com a de um historiador, gerando-se daí distorções nas oportunidades de trabalho futuro.

A escolha e o domínio de um método praticamente dá àquele que o faz uma caixa de ferramentas, ou um vademecum com o receituário de base daquilo que ele enfrentará como pesquisador. No caso do historiador econômico ou economista, ele deverá faze-lo para – ao menos – dois métodos, não importa a área de que se origine. A estrutura atual da disciplina através de suas linhas oferece enormes oportunidades de escolha no âmbito de pesquisa. Pensamento, biografia, ideia, estruturas etc., tudo se encontra acessível para aquele que deseja pesquisar. Uma ideia econômica, um pensamento econômico, uma estrutura econômica, a importância econômica de um dado indivíduo ou família, tudo se encontra ao alcance de pesquisador e orientador, desde que haja aquele entendimento de aceitação sobre o tema a ser tratado.
O pesquisador, principalmente o iniciante, deve enxergar com clareza quais são métodos que sua proposta de projeto têm por implicação e estar disposto a trabalhar de modo sistemático pelo entrelaçado de passos codificados – às vezes esotéricos – que terá de seguir, para alcançar seus objetivos. Ele não poderá esquecer da necessidade de transparência e objetividade dos métodos que emprega, porque isso é que permitirá àqueles que leiam os seus relatórios reproduzir sua técnica de pesquisa e poder, consequentemente, opinar acerca dos resultados obtidos. Só esses resultados objetivos é que se pode ver incorporados ao campo de trabalho comum.
Do ponto de vista do conteúdo, a História Econômica é tão forte como a escolha dos recursos das disciplinas independentes que ela toma para seu auxílio. Estas podem ser: Psicologia Social, Estatística Econômica, Economia Política em seus vários ramos, Econometria, Contabilidade Nacional ou Social, etc. Além de escolher a “escola” de sua preferência, o jovem historiador precisar estar “notificado” da História do desenvolvimento da mesma, para que suas escolhas tenham a abrangência e a erudição que o caso em estudo demanda. “Pagar mico” neste campo geralmente leva a um desastre de que é difícil se recuperar no médio prazo. Isto significa que o historiador tem que estar consciente do tipo de lógica que opera – ou vai operar – em sua pesquisa, uma, duas, três ou mais escolhas.

A escolha das disciplinas e métodos que serão ali auxiliares depende obviamente dos temas ou tema a serem pesquisados. Assim, o historiador para elaborar sua escolha, deverá tomar um de dois caminhos: (a) ou escolha a partir do que sabe sobre o tema; ou (b) o tema que escolhe lhe imporá uma fase de preparação, para a abordagem adequada do mesmo. Tudo isso deve ser feito de modo consciente, para evitar contramarchas ou dificuldades desnecessárias. Uma crença comum de pesquisadores que ignoram o poder dos métodos da História Econômica é achar que as respostas dos processos econômicos ocorridos ou adotados só se encontram na Política e que não podem ser conhecidos pela prospecção histórico-econômica sistemática. Uma história econômica de nível metodológico sofisticado prova exatamente o contrário, ou seja, a importância da explicação do específico para reformular o entendimento antes generalizado.

O historiador econômico, como um arquiteto ou um arqueólogo, consegue visualizar toda a estrutura que houve ou que poderá existir, a partir de uns quantos elementos deixados, que lhe permitam a reconstituição mental do modelo de conjunto buscado.
Isso implica dizer que as disciplinas auxiliares, além de prestarem o socorro imediato de seus métodos gerais para cada pesquisa, ainda oferecem as normas, os procedimentos e os resultados enquanto abordagem temática que já tinham elaborado, para o plano mediato. Por exemplo, um procedimento econométrico ou de programação linear para o estudo do efeito de flutuações na Polônia ou nos Estados Unidos pode ser testado e verificado numa situação similar (ou não!) de uma pesquisa para o Brasil ou Argentina. A literatura específica está cheia de pistas e exemplos que se constituem uma manancial praticamente inesgotável, desde que se priorize o domínio do método para a abordagem de um ou variados temas. Para cumprir seus objetivos de pesquisa, o historiador econômico quase sempre deve utilizar (1) métodos qualitativos e (2) métodos quantitativos.

MÉTODOS QUALITATIVOS

É quase sempre dito que uma pesquisa é tão melhor sucedida quanto mais flexíveis sejam os métodos de investigação e os métodos qualitativos são disso a garantia. Quase sempre, quando um pesquisador parece enfrentar dificuldades intransponíveis na elaboração de seu roteiro de pesquisa ou no fechamento dos resultados do mesmo, ele faz um “gato”, ou uma “gambiarra” na mesma, incluindo uma análise qualitativa montada em umas tantas entrevistas. Sim, entrevistas, manuais de entrevistas, escolha dos entrevistados e análise e seleção dos materiais de entrevista podem “salvar” grande número de pesquisas, particularmente encontrado o sentido da mesma, para elaboração do relatório.
Mas o mais importante dos métodos qualitativos não é “salvar” o pesquisador desorientado. É evidente que entrevistar “experts” do ramo coloca qualquer pesquisa no caminho certo. O problema é quem está fazendo o trabalho? – gerando o relatório – o pesquisador ou o entrevistado.
A escolha dos métodos qualitativos é e deve ser tão rigorosa quanto a escolha eventual de métodos quantitativos. Os fundamentos metodológicos da adoção do caminho devem ser rigorosos e fundamentados e não apenas aplicados como uma chave-de-braço. A exigência por relevância afeta tanto os critérios de escolha do tema da pesquisa quanto os atores sociais que nela se veem envolvidos. A escolha de “Os Movimentos dos Sem Teto em São José de Parumirim” certamente deve ter uma importância social em Parumirim, mas nenhuma importância científica, ou quase nenhuma, para tal estado ou para o Brasil. Portanto, a pesquisa qualitativa deve ter um resultado útil para o conhecimento do tema, ter certo efeito científico na área e contribuir para uma consciência dos profissionais interessados.
A parte quantitativa de tal estudo tende a ser talmente pobre como universo de pesquisa que o desdobramento de teorias magníficas desde hipóteses que hajam até podido ser bem fundamentadas em sua elaboração se torna – é claro – irrelevante. O pesquisador pode ter sido esperto, mas o fundo de pesquisa foi seguramente lesado.
A pesquisa qualitativa deve estar fortemente comprometida com a luta de uma dada linha de temas para encontrar ou aprofundar respostas que estão sendo buscadas. Diferentes ideias vêm sendo examinadas nesse campo, e essa pesquisa em elaboração deve fazer uma parte efetiva dentro de suas (do campo) expectativas.
O ponto de partida deve ser claro. A tese central, vinculada ao campo, de fácil compreensão e cheia de novidade. As hipóteses decorrentes, bem construídas, expressam problemas cujas respostas ainda não se conhecem. A escolha dos procedimentos de busca, questionários, entrevistas, etc., requer um elevado grau de depuração prévia, de modo que as técnicas empregadas na elaboração da forma e do conteúdo sejam as mais fortes possíveis, sem equívocos, sem dúvidas, ou que levantem suspeitas ou requeiram um esforço inesperado ou sobrehumano dos respondedores.
Os respondedores devem participar com certo prazer e orgulho dos questionários ou entrevistas, sem o quê os mesmo sabidamente foram mal feitos e então sendo mal conduzidos. Não se deve ocultar dos respondedores qual o fenômeno que deve ser clarificado e compreendido, mas deve-se ter a habilidade de saber absorver o tipo de colaboração que o objetivado (do questionário ou da entrevista) seja capaz de expressar.

Na pesquisa é importante elaborar previamente o roteiro de palavras-chave que se supõem nos irá conduzir ao âmago da tese e tentar mesmo construir um fluxograma de suas relações. Toda nova palavra-chave que venha a emergir durante o procedimento da pesquisa deve ser incorporada e eventualmente uma outra que se tornou caduca deve ser excluída. Isso é mais crucial ainda na pesquisa qualitativa, sob pena de perder-se em parte o papel do roteiro. Não se esqueça que o maior livro que elaboramos é o livro do esquecimento e todas as ideias, dicas e sugestões que não forem imediatamente anotadas e logo aprofundadas estarão perdidas para sempre.
Eu, que há decênios me esforço para me tornar poeta, sofro o constrangimento de haver perdido meus melhores versos e poemas, que me assaltaram quando eu dormia ou estava dirigindo. Às vezes tenho a sensação de que sou o verdadeiro autor de “EVIE”, que o Johnny Mathis canta, mas não posso prova-lo porque não encontro onde a escrevi...
De vez em quando, uma parte do material obtido com entrevistas ou questionários na pesquisa qualitativa se destina a procedimentos quantitativos. É preciso recordar que o processamento quantitativo não melhorará o resultado da pesquisa, cuja parte qualitativa haja sido feita com matreirice, má fé ou expedientes preguiçosos. Se há algo mal feito que pressentimos, devemos voltar atrás e refazer e não seguir em frente, com a ideia de “tapar buracos”.
Uma compreensão maior daquilo que se está a estudar raramente emerge no processo de elaborar cada parte da pesquisa. É quando o relatório final toma forma – infeliz e felizmente – que as lâmpadas começam a se acender, guiando a um caminho para fora do “atoleiro de burrice” onde o nosso “burrinho” se encontrava. Por isso, qualquer suspeita sobre falha de escolhas e procedimentos deve nos mandar de volta para reelaborar aquele ponto, ou pontos obscuros.
O procedimento com questionários na verdade tem decrescido muito no âmbito das pesquisas acadêmicas, talvez pelo desenvolvimento do computador pessoal e o acesso à internet. De fato, o processamento do questionário, embora fosse um custo alto e requeresse auxiliares, podia ser pré-formatado e obedecer a disposições metodológicas já preparadas, reduzindo o processo de extração informativa a formas “tayloristas”. Quanto às entrevistas, quanto maiores as entrevistas, menos previsíveis elas se tornam.
Tem-se que praticamente processá-las parágrafo por parágrafo, eliminando duplicidades, falhas, etc., de forma que a análise da informação possa ser levada a cabo com cuidado e muitas vezes reduzir-se posteriormente a uma análise de texto. Neste caso, a análise da entrevista em certo sentido se aproxima da questão central do trabalho qualitativo do historiador, a análise de fontes.
O historiador, ao examinar seu objeto de pesquisa, elabora a relação tema-fonte, ou seja, ele amarra a viabilidade de resolver seu problema central a uma dada fonte, tornada principal, e umas quantas outras, que ele fez acudir em auxilio da clareza daquela. A fonte principal será objeto da mais rigorosa investigação do historiador, através da chamada análise de fonte.
A análise de fonte busca estudar o fenômeno abordado pela fonte no subconjunto de cada uma de suas relações particulares, com o fim de explica-las.
Esse feixe de “explicações” obtidas é então apreciado em sua totalidade, como um conjunto, para ver em que esgotou a explicação do fenômeno observado ou buscado. Este tipo de análise é chamado “análise da totalidade”, mas de fato, há outras “análises da totalidade” que são obtidas. Na análise de totalidade, o historiador esgota a leitura da fonte de acordo com diferentes procedimentos de observação:

(1) Pergunta à sua formulação (da fonte), quais os problemas com que seu fenômeno considerado se conecta, quais os temas que suscita ou com que se aparenta e em que área de problemática se situa;

(2) Daí resulta que a fonte pode ser “desmontada” e investigada por métodos qualitativos e seus componentes podem ser teoricamente organizados para serem resolvidos de forma dedutiva; ou não;

Nesse caso, as suas composições teóricas são abordadas à luz de certos outros postulados teóricos; se necessário, isso leva à elaboração de hipóteses, que permitem explorar o material empírico que pode ser obtido; daí dá-se a aceitação e reformulação das hipóteses, da tese implicada e da verdade contida na fonte;

(3) No caso da reformulação da verdade contida na fonte, são formuladas as perguntas que permitam reconstruir ou construir uma verdade alternativa, através da relação teórico-empírica que permite desvendar as limitações da explicação original aparente.

MÉTODOS QUANTITATIVOS

O historiador econômico, ao montar uma pesquisa, decide se a mesma inclui métodos qualitativos, métodos quantitativos, ou ambos. Isso implica trabalhar com “lógica dedutiva” e também “lógica indutiva”. Os filósofos em geral chamam “lógica” a lógica dedutiva e chamam “teoria da confirmação” à lógica indutiva. A “lógica dedutiva” tende a aceitar o observado várias vezes como o provável, ficando-se portanto na certeza da continuidade do sentido aparente das coisas. A “lógica indutiva” não aceita como certa a continuidade do conhecido, requerendo portanto um mecanismo de prova além da observação. Daí o nome de “teoria da confirmação”.
 Mesmo aquilo que se considera como óbvio ou sabido deve ser xecado, para se intentar conhecer seus limites ou sua efetividade. A utilização de métodos quantitativos significa, pois, buscar uma confirmação ou negação além da aparente evidencia pela dedução. Por exemplo, se eu digo que um gordo tem mais chances de ser cardíaco do que um magro, a dedução afirmará que “sim”; no entanto, a indução exigirá uma amostragem e seu tratamento estatístico, estabelecendo uma resposta por amostragem e com determinados parâmetros.
Nesse sentido, quando o historiador econômico deseja verificar o grau de validade de uma proposição lógica, ele a elabora como uma hipótese e a submete à prova de um teste empírico, hoje em dia de estatística inferencial.

No nível corrente de pesquisas acadêmicas, procura-se em geral elaborar uma análise das fontes e estabelecer uma tese quanto ao tema, xecando a mesma sob a forma de duas ou três hipóteses. Isto é, obtém-se uma base teórica desde a análise temática da fonte e vai-se até a elaboração de um esquema para o xeque empírico de tal tese, por via das hipóteses. Este é um nível bem simples de tratamento empírico, que caracteriza a utilização de ambos os procedimentos – qualitativo e quantitativo – na pesquisa acadêmica histórico-econômica de base.
É muito difícil para um pesquisador iniciante elaborar questionamentos dedutivos que não consistam simplesmente de obviedades ou repetições de resultados de pesquisas clássicas, em geral sob formas pioradas e corrompidas.
Como é muito difícil também formular hipóteses de base quantitativa que não contenham obviedades a descoberto, a adoção de métodos combinados de pesquisa é importante para o amadurecimento dos futuros pesquisadores. Um pesquisador experimentado é capaz de eliminar em sua própria cabeça o que é óbvio e reter o não-óbvio para um teste, mas essa virtude não habita em qualquer um.
 Ela é resultado de longos anos de meditação e pesquisa.
Nos anos (19)60, quando o debate da chamada “Nova História Econômica” atingiu seu auge, havia a frase depois consagrada por Holsti (1969), “se você pode contar isso, não o leve em consideração”. Ou seja, enormes evidências podem ou podiam ser perdidas, quando enumeradas sem sofisticação. O famoso historiador Robert W. Fogel costumava dizer que não há nada de mal em medir-se formalmente os fenômenos econômicos. Em qualquer medida, os valores são sempre aproximados, não há medida absoluta. E um número é algo melhor do que “grande”, “médio” e “pequeno”... Fogel, que era um organizador do P.C. norte-americano, deixou o partido quando o mesmo foi destroçado pelo macarthismo e se doutorou, após muitas dificuldades, em Johns Hopkins em 1964.
Escreveu com Stanley Engerman o Tempo na Cruz (ou na Travessia) em 1974, em dois volumes, um alentado estudo da escravidão norte-americana. Em 1993 recebeu o Nobel de Economia, junto com Douglas C. North.

No Brasil há uma estranha hostilidade quanto à Estatística Econômica, a História Econômica e à Economia Política nos cursos de História. Quando cursei a graduação da História, na antiga FNFi da Universidade do Brasil, os alunos de História estudavam Geografia Humana com o Josué de Castro; Economia Política era facultativa, com Djacir Menezes. Ele dava “O Capital” de Marx em alemão, escrevendo parágrafos no quadro negro. História Econômica com o Francisco Falcon, e outras matérias muito vantajosas para a formação. Foi a ditadura de 1964 que eliminou a interdisciplinaridade dos cursos de História. E isso se estende até hoje, criando dificuldades para a formação de novas gerações de historiadores econômicos. Para se fazer o caminho da teoria à empiria, como se requer no nível de doutorado, o estudante precisa de uma base interdisciplinar.

É preciso conectar os conceitos definidos de modo abstrato, que constituem o corpo da teoria, com um número menor de variáveis descritivas da realidade, portanto, comportamentais e experimentais. Tais variáveis teórico-comportamentais podem ser reduzidas a variáveis concretas, existentes no corpo de disciplinas quantitativas, como a Estatística Econômica, a Demografia, a Demometria, a Econometria, a Contabilidade Nacional, etc. Nesse reino diferente, podem se dar diferentes relações hipotéticas ou observáveis descritas por tais variáveis quantitativas. Pode se construir, adotar ou operar equações descritivas de fenômenos, valorizando um nível de saber específico pela base empírica.
Pode se elaborar ou adotar modelos, a fim de estudar relações funcionais estabelecidas teoricamente, observadas na prática social ou correspondentes a corpos teórico-funcionais completos e testáveis.

Darei um exemplo da importância do trabalho quantitativo do historiador econômico. Na Folha de São Paulo de 2 de março de 2013, no Caderno Mercado 1 tem-se a manchete: “Investimento tropeça e PIB do Brasil cresce 0,9% em 2012”. O sublead em baixo afirma: “Economia do país completa dez trimestres com crescimento abaixo de 1%”. No dia seguinte, domingo 3 de março, a mesma Folha de São Paulo estampou no Mercado B3: “Expansão do PIB cai quase à metade na pós-crise global”. Diz o sublead: “Na média dos 4 anos, país ficou no meio entre os mais e menos afetados”. A pergunta que qualquer leitor se faz é: “Será isso verdade?”. Apenas dois grupos profissionais estão habilitados por formação a dizê-lo: os economistas-contadores-atuários e os historiadores econômicos. Eles podem refazer os cálculos que os peritos do jornal fizeram e encontrar concordâncias e discordâncias.  Daí pode haver um debate interessante. Mas suponha que houvesse se passado meio século, um século ou dois séculos. Quem estaria habilitado a proceder a uma análise de semelhante fonte? Certamente, pela sua inserção histórica, o historiador econômico.

Eu fui aluno de Carlo Cipolla nos anos (19)70 e ele nos mostrava naquela época uma série de reconstruções históricas que haviam sido elaboradas, com as cidades do norte da Itália, a partir de se compulsar as informações existentes em detalhe sobre óbitos, nascimentos e situações do estado civil. O uso da Demometria facultara elaborar listas detalhadas do movimento demográfico daquelas regiões e a partir daí foi possível elaborar uma sucessão de quadros descritivos das camadas sociais existentes, dos movimentos de rendimento, da mudança sócio-econômica, etc. Esta arqueologia do material que gera informações econômicas é um resultado da sofisticação alcançada pelos métodos quantitativos, que pode auxiliar no entendimento de diferentes épocas.

Por exemplo, o candidato a um Mestrado ou Doutorado deseja elaborar o seu projeto para a década passada e, diga-se, quer definir a periodização que lhe seja mais útil. Se ele recorresse aos métodos quantitativos para tal definição, poderia colocar as taxas de crescimento do PIB, por exemplo, num gráfico de tempo. A variável tempo na linha horizontal e a variável taxa de crescimento na linha vertical. Ele veria nitidamente um ciclo de 4 anos (ciclo comercial) de 2004 a 2008; veria uma crise debelada, com duas depressões, em 2001 e 2003; veria uma queda drástica de 2008 a 2009, apontando para a crise daqueles anos. Ele poderia escolher vários “períodos”, objeto de sua busca de periodização.
Quê estudar? A crise 2001-2003? O período de expansão 2004-2008? A crise 2008-2009? A recuperação 2010-2011? Tudo isso, no entanto, estará disponível ao pesquisador, via tão simples exercício, sob a condição de que o mesmo trabalhe com certos pressupostos teóricos. Ele deve aceitar ou postular a teoria das crises e dos ciclos; ele deve aceitar que as flutuações econômicas tem uma explicação teórica que se confirma ao longo da História, etc. Ou seja, os métodos quantitativos, neste exemplo, estão vinculados a uma base teórica e são aplicados como ferramenta empírica para qualificar as abordagens dentro dessa base teórica.

Também se pode trabalhar com tais métodos, deixando de lado esta ou aquela base teórica, com o intuito de obter informações com as quais se intentará produzir uma explicação nova ou diferente. Não é verdade que a “lógica empírica” forneça apenas uma “teoria da confirmação”. Quem já se dedicou à pesquisa quantitativa em certo grau sistemático sabe que ela gera informações que o pesquisador não buscava confirmar, porque tal informação não estava ali à partida. Dedutivamente, você pode saber que houve a crise de 2003, que houve a recuperação de 2004-2008 etc. No entanto, é totalmente distinto enxergá-los em conjunto, numa variável que descreve equacionalmente o comportamento do período observado.
Ou comparar as percepções que se obtém com esta abordagem, com análise do mesmo problema, indicado entretanto com outra variável. O estudo empírico, na verdade, ilumina a teoria. E não há teoria, de fato, que não haja antes passado como empiria pelos olhos e pelas pontas dos dedos. Não sou dono da verdade. É apenas minha opinião. O homem é um ser construído a partir de suas experiências e isso é que torna a História importante. Lá na base de partida, não éramos muito diferentes de nossos primos. O caminho para esclarecer um problema de pesquisa é, assim, um arremedo do caminho histórico da nossa condição para chegar ao conhecimento. O acúmulo de experiências do dia a dia leva à elaboração de teorias sobre os fatos vividos. No trabalho de pesquisa, também se recorre a um acervo teórico acumulado ao longo do tempo, e dali recolhemos pressupostos que nos levam a alguma variável – ou conjunto de variáveis – definida teoricamente. Depois buscamos os caminhos de métodos que nos permitam reduzir aquela formulação teórica a alguma variável que se possa definir operacionalmente.
Daí se elabora a nossa matriz de informação, uma base de dados que possa ser tratada de acordo com os procedimentos julgados necessários e efetivos. Isso nos dá não só a validade de nossas definições como evidencia a sensatez de poder-se haver chegado a elas. Essa validação do processamento das informações confere ao nosso trabalho o direito de chegar às conclusões a que se chegou, porque fornece as pistas para que outros possam refazê-lo em parte ou em todo. Com dizia Max Weber, trata-se de aplainar a distancia entre a visualização conceitual elaborada como lógica e a aportação empírica da realidade.

O MUNDO EMPÍRICO DO HISTORIADOR ECONÔMICO

É bem verdade que um bom número de historiadores econômicos se interessam mais por pensamento e teoria, até biografia de personalidades, do que com os vaivéns das chamadas conjunturas e estruturas. No entanto, a maioria dos que se dedicam a esse campo da pesquisa se concentram na observação e análise das variações econômicas no tempo e no espaço. Centrados em sua maioria na observação dos desequilíbrios que criam ou expressam as peculiaridades de regiões e povos, os historiadores econômicos tratam exatamente daquilo que as teorias não cobrem, isto é, o cipoal da realidade que não pôde ser incluído na lógica pura da construção da teoria. É nesse mar de sargaços abandonados pela teoria, que se constitui a efetiva ou aparente história da realidade, que o historiador econômico se chafurda com seu instrumental analítico, em busca de obter ou produzir percepções e explicações que ficaram perdidas. É pois verdade que nesta tarefa o centro de interesse mude daqui para lá e seja a marca de uma nova geração. As áreas temáticas não param de se suceder e apontam às vezes para direções que parecem de todo divergentes.

Nesse processo, as ferramentas e categorias em uso também aumentam ou diminuem seu prestígio. Onde antes se queria aquilo, hoje se deseja pesquisar e saber sobre isso. O fato dessa corrente substituição de temas e abordagens não significa a perda da validade daquilo que se gestou. Significa antes a perda de centralidade na malha de interesses do público financiador ou consumidor das pesquisas. No auge do fordismo, há 50 anos, escrevia-se muito sobre ferrovias e mineração. Hoje, com o avanço do ohnismo-toyotismo, o interesse está em capital humano. Ontem, apreciava-se o mercado industrial. Hoje, se aprecia o mercado financeiro.
Outra área de interesse, muito estudada, pelos historiadores econômicos, é a política econômica de dado período histórico, ou de dado governo.
Isso é muito comum porque o historiador procura, através de uma melhor compreensão de época, esclarecer a si mesmo sobre pontos para ele obscuros das diferentes teorias econômicas e teoremas, tanto os que ali existiram, como os que para lá muitas vezes ele tenta exportar. Um processo muito comum dos historiadores que dominam menos o método histórico é desconsiderar em sua análise os argumentos da época e enxertar-lhes no lugar instrumentos contemporâneos sofisticados, como o balanço de pagamentos, por exemplo. Este é um defeito de método histórico que se chama presentismo, ou seja, atribuir ao passado as características do presente.

É importante entender que qualquer aparato analítico pode ser usado ou construído para se utilizar na pesquisa de fatos pregressos, em ordem para facilitar a nossa reconstrução do período e o nosso entendimento. No entanto, seria ingênuo “passar pitos” no procedimento de atores passados, do tipo “Getúlio Vargas era displicente com as indicações do balanço de pagamentos”, porque semelhante ferramenta não tinha muito valor para os que viveram naquela época. Só para completar o exemplo, o BP foi um dos instrumentos introduzidos pelo FMI após a 2ª Guerra Mundial e sua finalidade era “dar transparência” às contas dos países em desenvolvimento e, portanto, permitir o controle de seu crescimento, subordinando-os aos interesses dos Estados Unidos, tal qual ocorre hoje. A ingenuidade, assim, pode ser instrumento de cavalo-de-tróia ideológico, transformando o avalista apressado em mero palhacinho de Tio Sam. Ou, como dizia Delfim Netto, em um membro da “rapaziada”.

No passado, as máquinas dos Estados tinham mais independência do que hoje. O oligopolismo não tinha ainda a força que hoje apresenta. Por isso, a preocupação de todo governante, ou seja, de todo elaborador de políticas econômicas, era criar uma saída nova, ainda não utilizada, para os problemas que enfrentava; a apresenta-la sob o véu do discurso da prática tradicional e conservadora. Isso, fosse esse dirigente estatal partidário de mudanças ou não.
Dessa forma, o estudo detalhado da política econômica de certo momento histórico é utilizado por muitos jovens historiadores como um caminho para testar as suas habilidades e conhecer o próprio potencial, desenvolvendo sua capacidade analítica, sua acuidade, e apossando-se de ferramentas que aprende a utilizar de modo rigoroso.

Seja qual for a reviravolta ou centro de interesse, é possível acompanhar no plano individual as escolhas deste ou daquele historiador, uns mais constantes em seus temas, outros mais volúveis. Na condição de estudantes deve-se buscar ler as obras que se julgue mais interessante para a própria formação. Na leitura, umas maneiras de solucionar as questões irão nos agradar, outras não. Também se tem que construir um caminho. Na condição de pesquisadores, deve-se seguir aquela linha de investigação que se privilegia. Dessa forma, cada estudante ou pesquisador tem sua lista de preferencias, as abordagens que mais valoriza e os problemas de que melhor entende. Sua especialização se aprofunda. E ele pode prestar também alguma contribuição para sua área de pesquisa. As teorias conjunturais e estruturais elaboradas a partir da pesquisa empírica têm permitido a construção de centenas de teoremas e pressupostos, usados aqui e ali, acerca da correlação, amplitude, medida de fenômenos que seria quase impossível lista-los por área de interesse. É evidente, portanto, que há um lugarzinho aí para cada um de nós meter sua colher de pedreiro...
Obrigado pela paciência.


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Contra a matematização da economica

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Economia

Entrevista - Andrew Mearman

O ensino de Economia de costas para a realidade

O professor britânico Andrew John Mearman critica o estreitamento do escopo dos cursos e a ênfase excessiva da matemática descolada da realidade
por Samantha Maia — publicado 31/12/2014 08:01
Lisa Klumpp
Andre John Mearman
Mearman lembra que um dos desafios da Economia é lidar com problemas reais e complexos, como por exemplo o risco de colapso ambiental
A crise financeira mundial evidenciou a fragilidade do ensino de Economia e estimulou discussões sobre uma reforma curricular. Um dos defensores de mudanças substanciais, Andrew John Mearman, da Bristol Business School da Universidade West of England e integrante do grupo de reforma curricular coordenado por Robert Skidelsky, esteve no Brasil na quinta-feira 4 para participar do IV Encontro de Economistas do Sudeste, em Belo Horizonte. A seguir, ele fala dos desafios para se formar pensadores autônomos em vez de técnicos do mercado.
CartaCapital: É importante repensar a grade curricular dos cursos de Economia?Andrew John Mearman: Um dos principais problemas com os currículos da graduação e da pós-graduação é a desconsideração dos objetivos educacionais. A questão mais importante para um educador é “onde quero chegar?” Um programa universitário também precisa se fazer essa pergunta. A resposta pode levar a uma abertura da mente das pessoas, levando-as a pensar com independência ou a aprender um conjunto específico de conceitos ou ferramentas. Para mim parece que muitos currículos não pensam claramente sobre essas questões. Em vez disso, eu acho que nós devemos partir dessas questões. Se você acredita que educação diz respeito à formação de pensadores autônomos, elaborará currículos bem diferentes daqueles que faria se achasse que ela é um programa de treinamento. Os cursos não deveriam servir para treinar indivíduos. Empresas e governos podem treinar seus empregados, universidades devem formar os alunos. Na pós-graduação, os argumentos a favor de programas de treinamento são mais fortes, pois os estudantes escolheram claramente seguir em determinada direção. Então, se você quiser trabalhar como economista, você precisa dominar as habilidades de um economista.
CC: Quais são essas habilidades?
AJM: Alguns programas interpretam as habilidades do economista como a capacidade de elaborar matemática de alto nível e reproduzir os pontos centrais de uma determinada linha de pensamento. Para mim, nem sempre isso é apropriado, particularmente para os economistas que trabalham na indústria ou no governo. Ali, a economia tem muito mais a ver com a solução de complexos problemas concretos, que exigem um conhecimento econômico combinado com flexibilidade de pensamento, insights de outras disciplinas, consciência da realidade comercial ou política etc. Eles também exigem boa capacidade de comunicação e outras habilidades. Sabemos que os graduados em economia se saem mal nesses critérios. Muitos dos formados são muito bons nas técnicas econômicas, mas não muito empregáveis. Considero necessário repensar os alicerces centrais do currículo. Além disso, o currículo está desatualizado e carece de elementos cruciais.
CC: Quais elementos?AJM: Fica mais óbvio quando pensamos em como os economistas lidaram com a crise de 2007 e a nova situação. Muitos currículos simplesmente ignoravam finanças, dívida, desigualdade, isto é, a maior parte dos principais motores da crise. Defendo há muito tempo um maior pluralismo no currículo de Economia, e ainda há um trabalho considerável a ser feito na teoria e no método. Um número grande demais de currículos está concentrado em fazer com que os estudantes aprendam um “cerne” de teorias mais aceitas, e particularmente em treiná-los nas técnicas matemáticas. Em parte, trata-se de reproduzir a economia mainstream e produzir a próxima geração de PhDs. Mas a maioria dos alunos na graduação, e até estudantes de mestrado, não está interessada em fazer um doutorado em Economia. Além disso, os programas de doutorado em Economia costumam recrutar seus alunos na Matemática e na Física. Organizar um currículo de economia baseado nas necessidades dos programas de doutorado me parece uma bobagem.
CC: Qual é a dificuldade de colocar essa mudança do currículo em prática?AJM: Há um bocado de inércia no ensino de economia. É muito mais fácil ensinar o que já ensina há algum tempo. Se todo o seu treinamento segue uma determinada abordagem, você fica bastante relutante em abandoná-la. Eu fui a uma sessão na conferência de 2009 da Allied Social Science Association (São Francisco, EUA) sobre ensino de excelência. Um membro da audiência perguntou se, dada a crise, nós deveríamos ensinar mais Marx, Veblen ou Keynes. A resposta foi chocantemente arrogante: “Eu não acho que nós devemos permitir que um evento único em 75 anos mude o que ensinamos”. Isso me parece ser um problema.
CC: Quais são as consequências dessa formação para a sociedade?AJM: O prejuízo advém de os economistas serem formados com base em uma técnica, um conjunto pequeno de conceitos vinculados a uma gama teórica reduzida, o que os leva a ignorar questões cruciais em uma sociedade e de serem incapazes de discuti-las. Um bom exemplo é a macroeconomia. O principal texto do novo consenso macroeconômico é o de Michael Woodfort e nas edições iniciais do livro não havia praticamente nenhuma menção a bancos ou finanças. Se você acreditar que a crise foi causada principalmente pelas atividades dos bancos, do sistema financeiro paralelo e da financeirização da vida, então as omissões do livro são bastante sérias. Outros acham que a desigualdade é uma grande causa das crises econômicas. Mas a maioria dos livros didáticos minimiza a desigualdade ao explicá-la em termos de produtividade marginal e retorno sobre o investimento em capital humano. Não veem assim a desigualdade como uma grande questão. Um dos maiores desafios é um possível colapso ecológico e há muita literatura sobre economia ambiental, mas a maior parte dela é muito estreita, o que dificulta para nós lidarmos com um problema tão sério.
CC: Qual é a conexão entre a crise financeira e a reforma do currículo da Economia?AJM: O currículo não estava equipado para lidar com a crise financeira, seja para prevê-la ou explicá-la a posteriori. Houve negligência quanto a trabalhos relevantes de economistas como Hyman Minsky e uma superdependência dos modelos de escolha racional e de teorias como a hipótese da eficiência do mercado, que eu vejo como profundamente falha. Foi engraçado, mas também alarmante, ver Eugene Fama receber o Nobel de Economia no exato momento em que as teorias associadas a ele pareciam tão pouco sustentadas pela realidade. Isso remete à inércia da disciplina e a um estado de negação. É verdade que houve trabalhos de finança comportamental que parecem levar a sério a ideia de que as pessoas não se encaixam nos modelos de escolha racional, e que nós precisamos pensar de outra forma sobre pessoas e mercados. Nós veremos aonde isso nos leva. Mas ainda há uma subteorização na economia mainstream sobre a estrutura do sistema bancário, do papel das instituições financeiras não bancárias, as reservas de capital empresarial (cash pool) e etc. Essas coisas têm sido trabalhadas fora do mainstream econômico e, de fato, fora da Economia.
CC: Há algum caso de sucesso de mudança curricular na pós-graduação em Economia no mundo?AJM: Minha própria formação na pós-graduação foi na Universidade de Leeds, e eu diria tratar-se de um exemplo de alternativa bem sucedida ao padrão. Tínhamos aula com Malcolm Sawyer, Paul Dunne, Francis Green e Man-Soep Park, entre outros. Estudamos o material convencional, mas em conjunto ou em comparação com as alternativas, principalmente a literatura pós-keynesiana e marxista. Também podíamos estudar módulos sobre economia industrial, economia do trabalho e assim por diante, novamente a partir de diferentes perspectivas. O sucesso desse programa pode ser visto no número de alunos que trabalham em universidades britânicas no ensino de economia, muitos em Leeds mesmo. Outros bons exemplos são a University of Missouri-Kansas City, com uma equipe integrada por Randall Wray, Stephanie Kelton, Matthew Forstater e o falecido Fred Lee, para ensinar um programa pós pluralista e interdisciplinar, e a Universidade de Notre Dame, nos EUA, mas este programa foi atacado. Nós devemos lembrar que bons exemplos como esses são o resultado de uma combinação pouco usual de fatores, em geral temporários, e em geral muito frágeis.
CC: Como o senhor avalia o ensino de Economia no Brasil e na América Latina?AJM: Eu devo confessar que sei pouco sobre a região. Espero poder aprender mais na minha viagem. Há uma forte tradição na Economia brasileira, boa parte dela crítica da visão dominante, e eu espero que isso signifique que o ensino de Economia brasileiro reflita essa abordagem. Sabemos, porém, que, como em toda parte, o Brasil é vulnerável às forças do que alguns chamam de “neoliberalismo”, que podem levar os currículos a serem mais limitados e focados em treinamento. A economia é uma disciplina ferozmente disputada, por causa do modo como as teorias são usadas nos debates políticos, então ela sempre será um campo de batalha.
CC: Qual é a importância da história na formação dos economistas?AJM: Uma das consequências da crise é um reconhecimento muito maior de que a história deve ter um papel mais amplo no currículo de Economia. Acho que é uma mudança realmente positiva. Costuma-se dizer que uma das coisas que tornaram o Ben Bernanke um presidente eficiente do Federal Reserve dos EUA durante a crise foi seu estudo sobre a Grande Depressão dos anos 1930. Ele tirou lições dela. Claramente, nós precisamos ter cautela em tirar lições da história: a história é contada a partir de uma perspectiva, e é claro que o mundo muda. Mas analogias cuidadosamente traçadas são guias cruciais para a ação. Creio também ser importante reviver a história do pensamento econômico. As obras de Keynes, Marx, Veblen e Minsky foram claramente úteis para compreender os eventos recentes. Esses pensadores precisam ser mantidos vivos nas pesquisas e na cabeça dos estudantes. Não é suficiente conhecer o nome de Adam Smith. Certamente não é suficiente acreditar que Smith era um crente na virtude absoluta do livre mercado! Para alguns estudantes, contudo, essa é a extensão de sua história do pensamento. E esse é o perigo de toda história: ela pode ser usada para justificar o presente. Isso é algo com o qual temos de nos precaver. Outra chave é ligar a história econômica, e a história em geral, à história do pensamento. Isso é algo que eu faço em minhas próprias aulas. Por que Smith escrevia sobre o que escreveu? Porque ele observava mudanças na sociedade. Por que as ideias de Keynes se tornaram tão populares? Ele escrevia sobre formas de curar um enorme problema de desemprego em massa.
CC: Há alguma disciplina considerada supérflua?AJM: Sempre que se propõe agregar coisas ao currículo, a questão retorna: “então, o que vamos excluir?” É uma boa técnica defensiva para preservar o status quo e não mudar nada. Nós temos um tempo limitado, e há espaço para mais sendo criado por uma mudança de ênfase. Eu não sou um grande fã da matemática na Economia – ela pode distorcer as questões que os economistas colocam e estreitar o foco da análise econômica – mas o problema da Economia não é a matemática em si. Pode ser que o tipo de matemática seja inadequado para analisar sistemas complexos. Mais do que isso, porém, o problema da matemática é a enorme ênfase dada a ela pela disciplina. Eu abriria espaço para outras matérias ao reduzir o conteúdo de matemática, e não creio que isso tornará a Economia menos científica, como alguns argumentam. A Economia se tornaria mais científica, capaz de explicar e resolver melhor problemas no mundo real. Qualquer que seja o volume de matemática, ela deveria ser ensinada de um jeito diferente. Precisa estar entranhada na Economia e não ensinada por si só. Seria mais atraente para a maioria dos alunos, e provavelmente mais útil.
CC: Qual é o peso que a economia do setor público deveria ter no currículo de pós-graduação em Economia?AJM: Particularmente para os economistas que pensam em buscar empregos governamentais, um curso de economia do setor público seria valioso. Ele poderia ser uma combinação de discussões sobre a economia pública e das ferramentas e quadros de referência que os economistas normalmente empregam. Por exemplo, o curso incluiria um tratamento abrangente das técnicas de avaliação econômica. Há hoje uma ampla literatura sobre a economia do setor público, de um leque de diferentes áreas. Boa parte dela simplesmente aplica a análise padrão do sistema de bem-estar ao funcionamento do setor público. Para muitas pessoas, é a isso que agora se refere a expressão “economia política”. Eu não compartilho essa visão, a acho muito estreita e distorcida, mas ela é comum. Um curso interessante sobre a economia do setor público questionaria a suposição de que a provisão do setor privado é inerentemente superior àquela do público. Os argumentos que defendem essa posição são bastante fracos e sem base empírica. Havia um bocado de literatura nos anos 1980 e 1990 sobre a questão da propriedade, mas ela parece ter sumido, como se o debate tivesse sido resolvido. Um enfoque ainda mais interessante sobre a economia do setor público seria examinar a economia política real de como o setor público é influenciado pelas atividades do setor privado, lobistas etc. Isso não significa concordar com o argumento de que hoje há uma total captura regulatória, mas seria algo bom de examinar. Também há uma ampla literatura sobre economia da regulação. Novamente, ela pode minguar por causa da suposição de que a regulação é problemática. Para mim, todas essas são questões em aberto.

domingo, 30 de novembro de 2014

N1 - Curso de Economia.

1) Debate realizado no dia 13 de novembro (2pts)

2) Entrega de dois Diários Reflexivos:
a) Unidade 1.1 e 1.2;
b) Unidade 1.3 (slide anexo);
DATA DA ENTREGA:  10 de dezembro (quarta)
(4,0 Pts)

3) Apresentação de textos conforme a lista abaixo.
DATA DA APRESENTAÇÃO: Próxima Quinta (4 de dezembro)
OBS: Quarta, dia 3, Tempo Livre para vcs estudarem para a apresentação.
 (4,0 Pts)



PARA PRÓXIMA QUINTA (4 de dezembro) 
Textos enviados por e-mail.

PRIMEIRO GRUPO

BRASSEUL. História Econômica do Mundo. (p. 39-69) 30 laudas

ACADÊMICOS: Adriane, Carlos, leoncio


SEGUNDO GRUPO

CAMERON. História Econômica do Mundo. (Cap. 2 – Desenvolvimento econômico nos tempos antigos. P. 39-63) 24 laudas

ACADÊMICOS: Cicero e Daniele


TERCEIRO GRUPO

ANDERSON. Passagens da antiguidade ao feudalismo. (do Prefácio ao Mundo Helênico p. 7 – 50) 43 laudas

ACADÊMICOS: Eliezio, Fabiana e Janiton



QUARTO GRUPO

ANDERSON. Passagens da antiguidade ao feudalismo. (Roma. p. 51-102) 51 laudas

ACADÊMICOS: Eliverton, Francisco Monteiro, Geovane, Jessica,


QUINTO GRUPO

ANDERSON. Passagens da antiguidade ao feudalismo. (A Transição. p. 103-142) 39 laudas

ACADÊMICOS: João Paulo, Lucas, Kaian, Matheus.


SEXTO GRUPO

ANDERSON. Passagens da antiguidade ao feudalismo. (A Europa Ocidental. p. 143-190) 43 laudas

ACADÊMICOS: luan e Michelângelo,

  
SÉTIMO GRUPO

JAY. A Riqueza do Homem. (Cap. 3 – Passando o Bastão p. 85-116) 31 laudas
ACADÊMICOS: Robson e Nilce


SLIDES - Introdução à História Econômica (Curso de Economia / UFAC)



quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Curso de Economia - atividade valendo parte da N1, dia 13, quinta

ATIVIDADE valendo ponto para N1, nota individual, (podem fazer slides)

Discussão de texto

GRUPO 1 – Apresentar o texto de Ana Maria

Adriane da Silva Sampaio
Alcirene Pereira da Silva
Aldione da Silva Lessa
Alexsandro da Silva Bezerra
Carlos Gomes da Costa Souza
Cicero Ramiro Magalhaes Torres
Danielle da Silva Costa
Douglas Josué Klafke
Eliezo Oliveira de Andrade


GRUPO 2 - Apresentar o texto do Fragoso In: Cardoso. Domínios da história. (CAP. 1)

Elyvelton Oliveira da Silva
Fabiana Oliveira Amaral
Francisco Monteiro Lessa Netto
Vanessa Alves Assem
Wellyson de Oliveira Sales
Willian da Silva Lopes
Yann Sena Figueiredo


GRUP 3 – Apresentar o texto do Eduardo Carneiro 

Geovane Vieira de Lima
Jamily Araujo Farias
Jango Mendes Arcanjo de Deus
Janiton Alves de Lima
Jessica Brenda da Cunha Pereira
Joao Paulo Bastos B. de Nazare
José Renato Araújo Nascimento
Kaian D'avila Lima
Kalebh de Lima Mota
Laura Rafaela M. Albuquerque
Leonardo Augusto R. S. Nora


Grupo 4 – Apresentar o texto do economista Leão Igor

Leoncio de Araujo Oliveira
Luan Rafael Souza de Matos
Lucas Moura da Costa
Matheus Correa dos Santos
Matheus Marques de Oliveira
Mauricio Costa de Azeredo
Nilce dos Santos R. Tamburini
Ricardo Brasil Correa da Cunha
Robson Ferreira das Chagas